A mesma
Biblioteca Itinerante que circula diariamente pelas aldeias do concelho da Guarda
levando livros às crianças das escolas, também está a saciar o gosto pela leitura de seis idosos de Vila Soeiro.Nesta freguesia “encravada” na serra, conhecida por “Cabo do Mundo”, onde residem 48 pessoas - a maioria idosos - a biblioteca móvel passou a ser recebida pelos habitantes com a naturalidade com que recebem o merceeiro ou o padeiro. Uma vez por mês, a meia dúzia de leitores inscritos, abeira-se da viatura e, em vez de “pedir” pão ou arroz, escolhe livros que consome nos dias seguintes.
A Biblioteca Itinerante - uma carrinha de cor avermelhada - é conduzida por
Nelson Neves, que ao chegar à aldeia dá duas buzinadelas e estaciona no largo principal, ficando à espera dos primeiros “fregueses”. Na última visita, nos últimos dias, chegou à localidade por volta das 9h30. Três minutos depois apareceu a primeira leitora, que transportava num saco de papel os cinco livros, já lidos, requisitados no mês anterior.
«Venho levantar livros sempre que posso», referiu Natércia Costa, 70 anos, professora regente reformada. «Levo três, quatro ou cinco livros. É conforme a altura do ano e a disponibilidade que tenho», explicou. «Gosto de todos os livros, especialmente de tudo o que toca a histórias de crianças e grandes portugueses», adiantou. Desta vez leva quatro livros: “Fernando Pessoa, Iniciação Global à obra”, de António Quadros, “Mariana na Fronteira do Sonho”, de Mariana Aguilar, “D. João I”, da autoria de Damião Peres, e “Pelo fio de um sonho”, de José Jorge Letria.
Antes de abandonar a carrinha, com os novos livros dentro do mesmo saco de papel, confidenciou à Agência Lusa que estava ansiosa por «devorar» as obras. «à tarde já os vou começar a ler. Não tenho preferências, começo por um qualquer», disse.
A professora reformada mostrava-se contente com a passagem da Biblioteca Itinerante pela sua aldeia, salientando que «é muito útil». «Se não fosse a biblioteca era pior, porque tinha de reler os livros que tenho em casa, assim, sempre leio algo que nunca li».
Ainda Natércia Costa não tinha concluído o processo de requisição, quando chegou à viatura a segunda e última utilizadora do dia - Maria Rodrigues, 69 anos, doméstica. Carregava na mão a obra “Fernando Pessoa, antologia poética seguida de fragmentos do Livro do Desassossego”, de Isabel Pascoal. Após uma rápida selecção, escolheu dois livros que lhe vão fazer companhia nos próximos dias: “A Poesia”, de Maria Manuela Couto Viana e “A Revolução Industrial da Idade Média”, de Jean Gimbel. «Gosto muito de ler e só não venho levantar livros quando não dou conta da carrinha», assegurou com um rasgado sorriso.
«Tenho o hábito de ler desde criança. Normalmente leio um bocadinho à noite, a seguir ao almoço e ao domingo à tarde. Às vezes até leio certos trechos para o meu marido, porque ele não gosta de ler», disse, admitindo que tem em casa «muitos livros» que ainda não leu, preferindo aqueles que levanta na biblioteca ambulante. «Só não leio mais porque tenho problemas de cabeça e não posso abusar», rematou Maria Rodrigues. Antes de se despedir, recordou que quando a biblioteca incluiu Vila Soeiro no roteiro, o seu pai «que morreu com 98 anos, era o único utente». «A biblioteca veio cá por causa dele», afirmou orgulhosa.
A
Biblioteca Itinerante da Câmara Municipal da Guarda é herdeira do projecto nacional da
Fundação Calouste Gulbenkian. Na Guarda, as quatro carrinhas da Gulbenkian pararam em Maio de 1994. Dois anos depois, a Câmara Municipal, colocou na estrada, a expensas suas, um desses veículos que diariamente circula pelas freguesias rurais do concelho, levando livros aos meninos das escolas.
Como de ano para ano as escolas estão a fechar as portas por falta de alunos, o vereador do pelouro da Educação,
Virgílio Bento, admitiu à Agência Lusa que a aposta no apoio aos idosos - que de momento só acontece em Vila Soeiro - é para ampliar. «Tentamos conciliar estes dois públicos [crianças e idosos], que são os dois públicos que autonomamente menos capacidade teriam de aceder a este espólio», salientou.
«A ideia - acrescentou o autarca - é alargar o leque e, além de trabalharmos com as escolas, passarmos também a trabalhar com os Centros de Dia». «Essa é uma linha de orientação política que queremos implementar”, na certeza de que a Biblioteca Itinerante “desenvolve uma função social e cultural muito importante», garantiu
Virgílio Bento.
Fonte: Diário de Coimbra /Lusa -25-3-007